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Editorial – Maranhão e a agenda de combate ao racismo e a violência no campo

Marcha das Margaridas – mulheres trabalhadoras rurais

No último dia 17 de novembro, integrantes da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dirigentes de pastorais sociais e de organizações populares deram uma entrevista coletiva, na cidade de São Luís, para tratar sobre a escalada de violência e os recentes assassinatos ocorridos no Maranhão, por conta da ação direta de latifundiários, fazendeiros, grileiros de terra e do agronegócio.

No dia seguinte a essa coletiva, no município de Viana, um grupo de policiais militares entrou no território dos Akroá-Gamella e, para atender a uma invasão da empresa Equatorial, comete um festival de atrocidades.

Foram tiros, apreensão de celulares, spray de pimenta, violação de casas. Ao final de todas essas ações que levaram pânico e constrangimento a uma comunidade de um povo originário, os policiais prenderam 16 indígenas, jogados em três camburões.

Logo em seguida, mais violência contra os Akroá-Gamella. A empresa Equatorial, a Secretaria de Segurança do Estado (comandada pelo policial civil Jerferson Portella) e o Sistema Mirante/Globo (família Sarney) fizeram um discurso único, criminalizando os indígenas.

Povo Akroá-Gamella

Essa turma atacou as vítimas, os indígenas, os donos da terra invadida, que se colocaram com toda legitimidade em defesa daquilo que é deles.

Dois dias depois das prisões, após grande repercussão e pressão social, os 16 indígenas estavam livres, oito deles com a cabeça raspada, tratamento dado a presidiários.

Força tarefa

E quem esteve no Maranhão, exatamente na semana passada, atraído pela crise no meio rural, foi Jan Jarad, representante da ONU na América do Sul. Ele ouviu inúmeras organizações sociais e também o governo estadual.

Jarad falou da preocupação com os conflitos de terra na América Latina, que afetam comunidades indígenas, comunidades tradicionais, por ação do agronegócio.

E antes da coletiva de imprensa com a presença de representantes da CNBB, da prisão dos Akroá-Gamella e da presença da ONU em São Luís, bem no início desse conturbado mês de novembro, após mais um assassinato de trabalhador rural no estado, a Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras do Maranhão ( Fetaema) propôs uma força tarefa, para conter essa escalada de violência.

A proposta da Fetaema sugere uma ação conjunta do poder público e de diferentes organizações sociais. A ideia, além de boa, é necessária. Mas até o momento, não teve a atenção que merece.

Processo histórico

O racismo estrutural e, consequentemente, a extrema violência contra pobres, negros e indígenas é um dos mais graves problemas brasileiros.

No Maranhão, no entanto, esse drama tem suas especificidades, por este ser um estado de grande população rural.

O roteiro maranhense é bem antigo e conhecido. É sempre alguém muito rico que, ao tentar impor seus interesses econômicos, agride despudoradamente trabalhadores rurais, comunidades tradicionais e povos originários.

Essa violência, originada na questão fundiária, se dá através de poluição, da liquidação de riquezas naturais, do desterro, além de ameaças de morte e assassinatos.

Com isso, no Maranhão, ao longo de décadas e décadas, temos um banho de sangue de um povo negro e indígena, com a total cumplicidade de uma secular estrutura oligárquica, com raízes profundas nas instituições públicas, isto é, nos diferentes poderes constituídos do Estado.

Atual conjuntura

Em 2015, tomou posse no governo do Maranhão, o ex-juiz federal Flávio Dino, reconhecido como um quadro da esquerda brasileira.

A eleição dele, em 2014, dissociada de José Sarney, foi um fato nacional e gerou expectativa.

Em relação a questão fundiária, Dino criou a Comissão Estadual de Prevenção de Violência no Campo e na Cidade (COECV). Formalizada em maio de 2015, no primeiro ano, do primeiro governo Dino, a COECV atingiu e fragilizou uma antiga indústria de liminares de despejo.

Essa nova realidade incomodou e a OAB do Maranhão (hoje de perfil conservador) tentou liquidar a COECV em 2021, já num ambiente bolsonarista. Houve reação social e a OAB não conseguiu fazer o serviço, em favor do latifúndio.

A COECV foi entregue a uma secretaria, reestruturada com o nome de Secretaria Estadual de Direitos Humanos e Participação Popular (Sedhipop).

Hoje, com a escalada de violência, o governo de Flávio Dino vem sofrendo críticas. No geral, elas são direcionadas principalmente para a Secretaria Estadual de Meio Ambiente, a Secretaria de Indústria e Comércio e ao Instituto de Terras do Maranhão (Iterma), além da já citada Secretaria de Segurança.

Correlação de forças

Em relação a crescente violência que hoje atinge o meio rural, no Maranhão, existe uma evidência.

Os crimes têm relação direta com as ações de Jair Bolsonaro e seu grupo. O genocida e seus seguidores defendem e facilitam o acesso as armas, ao mesmo tempo que hostilizam trabalhadores rurais, quilombolas, indígenas, povos tradicionais.

No entanto, além da extrema-direita miliciana, para entender a violência existente no Maranhão é importante tratar da força que os agressores tem nas instituições locais.

A atual formação da Assembleia Legislativa do Maranhão é um exemplo revelador. Lá, dos 42 parlamentares que hoje tem assento naquela casa legislativa, nenhum deles tem compromisso com o bem viver de trabalhadores rurais, quilombolas e indígenas.

Othelino Neto – presidente da ALEMA

Hoje, todos os deputados e deputadas estaduais do Maranhão, de algum modo, prestaram serviço ao latifúndio agressor.

Basta dizer que diante de tudo que vem ocorrendo recentemente no Maranhão, de toda a repercussão de assassinatos (execuções) e conflitos, nenhuma voz se pronuncia na Assembleia. É como se os fatos estivessem acontecendo na Nova Zelândia ou em Singapura.

Esse silêncio absoluto do parlamento estadual, essa omissão e/ou cumplicidade, evidencia o desarranjo na correlação de forças, sendo um evidente facilitador para as tragédias.

O que fazer

O caso dos Gamella gerou um fato que merece registro. Um documento, assinado por inúmeras organizações sociais, exigiu a liberdade dos indígenas.

O texto, nascido nas pastorais da Igreja Católica, repercutiu antes mesmo de sua divulgação. Ele uniu organizações que mantém relação política e/ou institucional com o governo Flávio Dino e, logicamente, aquelas que estão distantes desse mesmo governo, numa posição crítica.

Todas essas organizações e movimentos tem em comum o compromisso com o uso democrático da terra e com o respeito e a dignidade dos trabalhadores rurais e de povos e comunidades tradicionais.

Pepe Mujica, ex-presidente do Uruguai, diz que a esquerda se divide por ideias e a direita se une por interesses. No século XX, durante a ditadura militar no Brasil, se dizia que a esquerda só se junta na cadeia.

Em entrevista concedida este ano a Agência Tambor (programa História Viva), o economista João Pedro Stédile, dirigente nacional do MST, disse que o Brasil precisa de um projeto popular, elaborado pelas organizações sociais.

No Maranhão – levando em conta a conjuntura nacional e local – é evidente que há a necessidade de um diálogo e uma reflexão sobre a questão fundiária, levando em conta a economia de enclaves (mineração e agronegócio).

Esse diálogo passa pela proposta emergencial da Fetaema, mas o ideal é que possa apontar também para uma agenda, que priorize o trabalho rural, os agricultores e agricultoras familiares, a absoluta segurança e a autoridade de povos e comunidades tradicionais.

Não havendo diálogo, nem agenda, esse encontro só se dará em velórios ou manifestações públicas, movidas por desespero e tragédias.

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