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UM MARANHÃO A VER NAVIOS

Do Blog Buliçoso
Por Flávia Regina Melo
05/03/2020

Quem chega ao litoral da capital do Maranhão se depara com uma linha do horizonte preenchida por navios, de mais diferentes bandeiras, aguardando autorização para as operações de carga e descarga. Existem épocas em que é possível avistar até 70 navios parados nas proximidades do Porto do Itaqui.

É o porto público com a maior profundidade do Brasil, permitindo embarcações com calado máximo autorizado de 22,3 metros de comprimento. O Itaqui fechou 2019 com mais de 25 milhões de toneladas de cargas movimentadas. Até maio do ano passado, movimentou a fábula de mais de 10 bilhões de reais.

Existe um outro Maranhão onde tudo é superlativo. Há décadas, o estado é colocado por governos em vitrine para investidores nacionais e internacionais pela localização estratégica de sua capital, com um porto próximo aos mercados europeu, asiático e ao Canal do Panamá, interligado por rodovias e ferrovias, com a Ferrovia Norte-Sul. De navio até o porto de Roterdã (Holanda) são apenas 10 dias, uma semana a menos do que rotas que saem do Sul ou Sudeste do país. Além da “joia da coroa” portuária, há ainda  a Base Especial de Alcântara, que possibilita envio de foguetes para o espaço com economia substancial de combustível por estar localizada em latitude próxima à linha do Equador, onde a velocidade de rotação da Terra é maior.

Portos, ferrovias e empreendimentos com comprovada vantagem competitiva. Em terras maranhenses, ainda existe enorme potencial já explorado de gás natural e energia eólica, com riquezas e belezas naturais em abundância para completar o catálogo de um eldorado de oportunidades.

A ver navios – O segundo estado com maior volume de exportações do Nordeste e a 130 unidade da federação que mais exportou em 2019, porém, deixa a ver navios mais de um milhão de seus habitantes, que vivem na extrema pobreza. Os dados mais recentes divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que, de todos os estados brasileiros, o Maranhão permanece com o menor rendimento domiciliar per capita (por pessoa) do país: apenas R$ 635,58 (2019). Para piorar, a renda de domicílios por pessoa no estado também ficou menor que a metade da média nacional, de R$ 1.439,00. A maior renda per capta do Brasil é de R$ 2.685,76, do Distrito Federal. Na “lanterninha”, o estado subiu minguados 35 reais, de 2018 para 2019.

OS PÁRIAS MARANHENSES QUE SOBREVIVEM COM A MENOR RENDA PER CAPTA FAMILIAR DO BRASIL

Os Estados Unidos, a China e o Canadá concentram 65% de toda exportação do Maranhão. Os três países adquiriram mais de US$ 5 bilhões em produtos do estado, entre 2017 e 2019, segundo dados do Ministério da Economia, Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC). A ilha de prosperidade nos indicadores econômicos, propalados pelo atual Governo como o quarto estado com o PIB (Produto Interno Bruto) que mais cresce no país, é separada por enormes fossos.

Grandes empreendimentos econômicos são instalados de forma predatória, a exemplo do descontrole na poluição das praias causado por um boom imobiliário favorecido por generosas licenças ambientais. A expulsão de povos tradicionais de suas terras, como quilombolas e agricultores familiares, a reboque de ações judiciais que favorecem grupos empresariais, também costuma ser recorrente. A outra parte dos párias maranhenses está concentrada nos 16,3% de analfabetos, a terceira maior taxa de analfabetismo do país. Apenas 11,6% dos maranhenses têm coleta de esgoto, de acordo com dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), ligado ao Ministério do Desenvolvimento Regional.

À propósito do título da matéria, a expressão “ficar a ver navios” tem origem portuguesa, surgindo à época dos descobrimentos, em referência aos portugueses que ficavam no topo de um morro em Lisboa, na espera de que seu rei, D. Sebastião, que havia desaparecido durante uma batalha no Marrocos, voltasse ao país. O rei – como se sabe – nunca regressou, surgindo o mito do Sebastianismo e a expressão “estar a ver navios no Alto de Santa Catarina”, posteriormente resumida para: “ficar a ver navios”. O corpo do rei nunca foi encontrado e, por cauda disto, reza a lenda que Dom Sebastião, encantou-se nas praias dos Lençóis, no Maranhão, na forma de um touro encantando, que surge nas noites de lua cheia.

Este é o Maranhão que atravessa os séculos conservando suas lendas, sem se livrar das assombrações.

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